A história de um ambicioso projeto que teria sido o o último game lançado pela lendária Digital Pictures, produtora de vários clássicos da era dos jogos em FMV.
Nos anos 90, durante a explosão dos jogos em FMV (sigla para Full Motion Video, aqueles jogos com atores reais que pareciam filme), uma produtora se destacava: A Digital Pictures. Foi através dela que o mundo conheceu Ground Zero: Texas (SEGA CD), Night Trap (SEGA CD, 3DO), Sewer Shark (SEGA CD, 3DO), Corpse Killer (SEGA CD, 3DO, SEGA SATURN, SEGA 32X) e vários outros.
Digital Pictures: FMV é legal |
O formato: Uma história contada através de atores e filmagem de baixo orçamento (se comparada a produções hollywoodianas). A ação acontecendo em conjunto com alguma interatividade entre o jogador e o vídeo. As gerações mais novas acham simplório pois não entendem a maravilha que era poder "jogar um filme" em uma época que as animações dos jogos se resumiam a pequenos trechos nos cartuchos e que muitas vezes pareciam gifs vagamente animados.
Sewer Shark, Night Trap e Supreme Warrior |
Mas os jogos em FMV tinham limitações muito claras e em algum tempo, principalmente depois que a era poligonal começou, foram ficando menos interessantes. Para chamar a atenção dos consumidores as produções do gênero começaram a ficar cada vez mais caras e elaboradas, os custos subiam enquanto as vendas desse tipo de jogos caíam. Foi dentro desse contexto que a Digital Pictures começou a desenvolver um projeto mais ambicioso, originalmente para o 3DO:
Maximum Surge seria basicamente um jogo parecido com Space Pirates e Mad Dog, porém com atores conhecidos, cenários interativos, múltiplos caminhos e locações reais misturadas com CG. O visual podemos dizer hoje que seria uma mistura de Mad Max com o recente jogo Rage da id Software, com aquelas cidades devastadas, cheias de restos de tecnologia reaproveitada e um deserto implacável ao redor.
Maximum Surge |
O elenco trazia ninguém menos que Walter Koenig, o eterno Checov de Jornada nas Estrelas e a bela Yasmine Bleeth que era uma das salva-vidas gostosonas da série S.O.S Malibu (Baywatch).
Koenig |
Bleeth |
A história se desenrola em um cenário pós apocalíptico no final do século 21. O jogador faz o papel de um mercenário contratado para proteger o território Brokaw do maligno Drexel (Koenig), que, adivinhe, quer conquistar o mundo com seus androides. Para acompanhar você é designada Jo (Bleeth), uma experiente mercenária. Também há um hacker que alimenta vocês com informações de campo.Parecia promissor.
Peraí... ISSO É UM GAME? UAU! |
Infelizmente quando a produção do jogo foi concluída a Digital Pictures estava fechando suas portas e o 3DO nesta época já ofuscado quase completamente pelos sistemas mais novos. Lançar o game era uma aposta cara e difícil. O mercado estava movendo para os polígonos e a era dos filmes interativos acabava. Então o máximo que Maximum Surge chegou perto das mãos dos jogadores foi uma demo inserida no CD do Windows 95. E assim foi o fim de talvez um jogo no mínimo interessante para os amantes do gênero FMV.
Mais ou menos:
Coloque seus óculos de realidade virtual: Você vai precisar |
A história de Maximum Surge não acaba aí e fica inacreditável daqui pra frente. O material filmado, juntamente com todos os arquivos dos outros jogos da então falida Digital Pictures foi comprado pela empresa canadense Insight Film Studios, uma produtora de filmes para TV. Este acervo se uniu a novas sequências filmadas e foi reeditado sobre um roteiro sem pé nem cabeça:
Tenha medo desse cara... |
... e mais medo ainda desse cara (você entenderá no bônus) |
Em uma instalação paragovernamental e paramilitar ultra secreta um supercomputador chamado DREXEL (com a voz de uma menina de 8 anos - olá, Resident Evil), que aprende a pensar sozinho a partir de um jogo de Pac Man, acaba por tomar todas as instalações militares e científicas do mundo e demanda um desafio para liberá-los. Do contrário é botão vermelho e bye bye Planeta Terra. Para isso é chamado o maior hacker/jogador de videogames do mundo (!), que aceita entrar no universo de realidade virtual criado pela máquina e enfrentar o teste.
Entram então cenas dos jogos aparentemente recortadas a esmo, o jogador caindo em uma ilha infestada de zumbis (Corpse Killer), cortando para um jogo de futebol americano (Quarterback Attack With Mike Ditka), sendo massacrado em primeira pessoa em um torneio parecido com Mortal Kombat (Supreme Warrior). Mas tudo em primeira pessoa, já que as filmagens são assim, afinal, pertenciam a jogos de verdade. Nesse ponto temos que bater palmas para a engenhosidade dos caras. Eles não só conseguiram lucrar com um material morto e enterrado como acharam uma maneira inteligente de fazer isso. Em partes. Daí pra frente vai tudo ladeira abaixo. Na verdade, desde o início. O material filmado é OK para games dos anos 90, mas certamente para ser utilizado em um filme 10 anos depois. mesmo sendo para TV, o padrão exigido é outro, muito além do material. Além disso a edição não faz sentido, e fica pior quando entram as sequências de Maximum Surge. DREXTEL assume a imagem de Walter Koenig, com a justificativa de ser um ator cujo hacker é um grande fã, para tentar corrompê-lo. Mas a voz dele, para coincidir com o texto no roteiro teve que ser redublada (pela mesma criança que faz a voz do computador!).
Sério: Não aperte o play
Mesmo assim "Game Over - Maximum Surge" foi lançado em DVD e rendeu estimados 1 milhão de dólares para os desenvolvedores. Nada mal pra algo que estava no buraco negro e comprado por uns trocados.
A empresa que fez os efeitos diz em sua página que foi considerada a ideia de transformar o projeto em uma série de TV. Mas ainda há gente sensata neste mundo e isso nunca passou das conversas iniciais.
Este foi o triste fim de um jogo que poderia ter sido interessante se lançado no momento certo. E do restante do acervo que certamente divertiu milhares de jogadores nos seus consoles 3DO, SEGA CD e SEGA Saturn nos anos 90.
Game Over - Maximum Surge pode ser comprado por 2 dólares na Amazon.